Paulo Jorge Lobo (BR)

Paulo Jorge Lobo

O retrato onírico de Paulo Jorge Lobo

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Percebo uma objetiva me enquadrando. Imensa objetiva. Não vejo o fotógrafo escondido por sua câmera. Eu ouço risos forçados e aplausos, aqui e ali. Estamos em um parque. Todos sentados em um gramado perfeitamente aparado. Sinto formigas escalando as panturrilhas. O parque está cheio de garotas loiras muito lindas que cantam ou murmuram ou falam. Eu observo o céu, faz calor, a luz branca é perfeita, como em um filme. O fotógrafo se aproxima de mim: Olá, estou surpreso por vê-lo aqui. Obrigado Patrick Lowie pela sua visita . Ele aperta minha mão e acrescenta: Paulo Jorge Lobo, você se lembra de mim? Quando ele falou seu nome, percebi que estava em Lisboa. A atmosfera era especial, tudo era bonito, suave, macio, luminoso. Eu estou cobrindo a manifestação , disse ele. Eu me perguntava o que eu estava fazendo lá. De que manifestação ele estava falando? É a revolução quando só tem garotas bonitas rebeldes, de repente a gente fica com mais vontade de ajudá-las a derrubar o governo. Te apresento Chloé. Ao levantar a cabeça novamente, finalmente reconheço as fachadas da cidade, um homem a cavalo, apesar de um tipo de amnésia, como se eu tivesse perdido a consciência. Sinto minha cabeça deitar delicadamente no tapete de grama muito verde, demasiado verde. Eu vejo Paulo e Chloé me olhando de cima, eles falam comigo como se tudo estivesse normal. Eu acho que eles sabiam que era um sonho. Eu não. Eu achava que estava no mundo real. A única realidade para mim, são minhas sensações. 1  

Eu tinha vontade de dizer a eles que eu sempre amei essa cidade e que sentia falta dela. Minha boca não abre. Mas Paulo responde: eu também pensei que esta cidade era a mais bonita do mundo, mas eles a massacraram. Virei a cabeça em busca de vestígios do massacre. Sinto uma mão acariciar meus joelhos, uma bela mulher de Évora. Ela me diz: toda esta grama e você não fuma? Eu não consigo me levantar, me levantar provoca angústia, vontade de vomitar, sempre deitado, a manifestação começa, vejo-os partir, sem mim. Paulo fotografa a cena de todos os ângulos. Ele se aproxima de mim, Sua objetiva está tão perto que vejo o obturador aberto e fechado sem parar. Eu vejo o que você não vê mais, Sr. Lowie, vou mandar para você as fotografias. As últimas meninas se juntaram à revolução, tudo me escapa, as formigas nas pernas, o olho direito sai da órbita, um policial se aproxima : Senhor! O senhor não pode fotografar este homem deitado. É uma escultura, um monumento. Há direitos autorais. Paulo Jorge Lobo para de fotografar, se vira e cumprimenta um jovem: estou aqui! Pegue, me substitua! No meu coração, eu só tinha uma ideia: gritar a eles que eu estava vivo, não um monumento, não uma escultura de cimento. O lindo jovem me diz: " Muda de vida e sai à francesa! " Ele me pega pela mão para me puxar, sob o olhar assustado do policial e o sorriso maravilhado do fotógrafo. O jovem então disse em tom professoral: vamos fazer a revolução nós também, depois revelaremos essas fotos. Se o olhar é a expressão da alma, certamente encontraremos algo lá, não é? Chloé havia desaparecido. 

[1] O Livro do Desassossego, Fernando Pessoa


Tradução : Dedé Ribeiro


Publicações e histórias

Este retrato foi publicado em francês no livro Next (F9), 111 retratos oníricos por Patrick Lowie, publicado pela P.A.T.


Bio

em breve

Detalhes de uso
Mapuetos é um projeto literário criado pelo escritor belga Patrick Lowie. Esse retrato é um retrato onírico, ou seja, é apenas um retrato inspirado por um sonho e pura imaginação. Consequentemente, a história que está sendo contada não é real. Erros de sintaxe ou ortografia... não hesite em entrar em contato com mapuetos@mapuetos.com

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