Patrick Lowie (BR)

Patrick Lowie

O retrato onírico de Patrick Lowie

Compartilhar

Um texto de Véronique Bergen, escritora e filósofa. Membro da Academia Real de Língua e Literatura Francesa da Bélgica.

Gesticulando no cais, juba ao vento, um homem parece gritar para o mar. O momento é pasoliniano. Os ragazzi se jogando na praia, panturrilhas salientes, dorsos arredondados, canivetes prontos para cortar o sol do meio dia. O vento carrega as palavras que o homem joga nas ondas. Deitado, hipnose de Helios, eu deslizo grãos de areia pra dentro do meu umbigo, sobre minhas clavículas. Gritos do excêntrico me chegam só como um quarteto de vogais "A I O I". Meu amante acaricia meu ombro avermelhado pelo sol. Em fileiras apertadas, os ragazzi avançam em direção à beira-mar e rodeiam o poeta.

O momento pasoliniano era apenas a isca. O fantasma de Pier Paolo Pasolini não assombra a praia. O homem idoso que levanta a cabeça para os garotos tem o rosto, os gestos, a grandeza de Federico Fellini. Pragmático, meu amigo defende a hipótese de um sosia. Fellinianamente, eu apoio a volta post morten do cineasta para gravar um filme póstumo. Aos ragazzi de punhos nervosos, aos pupilas afiadas como como foices, ele joga o mesmo four de ases de vogais "A I O I". Os fantasmas perderiam o uso de consoantes? Tirando um caderninho do bolso de sua jaqueta, ele rabiscou um retrato que segurou como um espelho. O mais jovem dos bandidos com riso psicótico solta "Eu conheço a pessoa que você está procurando. É Patrick Lowie. "
  

Com estupor, eu mordo o dedo indicador que meu amante passeia sobre meus lábios. Na posição de lótus mental para aguçar a senhorita Telepatia, eu tento entrar em sintonia com o espírito de Patrick. Pragmático, meu amor tecla no seu celular, manda algumas frases por e-mail.

Preparação para o combate na praia no momento feliniano ... O maestro atribui um dos dois papéis principais para o mais forte dos jovens, droga não ter uma atriz divina na mão, pede por Anna Magnani, Giulietta Masina, Anita Ekberg .... Dove è Claudia Cardinale ? Seu dedo indicador está apontando para nós. Ostentando uma expressão viril, uma atitude esquerda, meu namorado improvisa rapidamente uma louca sibilante. Bingo, o roteiro tem sucesso. Fellini o descarta do casting, vem pra cima de mim, furioso por ter uma desconhecida falando uma vacilante italiano.

Não há necessidade de roteiro professa Fellini junto ao Actors Studio. O sol me peroxida a dicção. A lona me mergulha num oceano de angústia. Eu, para quem ter filhos seria um pesadelo, encarnei a mulher que diz ao namorado que está grávida. Meu caipira se deixa levar por uma raiva homérica, enche minha barriga de socos gritando "uma criança, nunca." Fulminante, ele discorre uma lista de pais compulsórios, com ele no topo, seguido por uma dezena de nomes. "Um pirralho saido das tuas entranhas, mas que não será meu? Que ele volte para o nada. "
       

Fellini filma sem filmar. Seriam os olhos dos mortos equipados com câmeras embutidas? Eu tento atuar mal para ser demitida, aguardo a liberação, sussurro a palavra mágica "Cinecitta". Mas nada acontece. O cabelo do diretor deixa o branco por um verde esmeralda. Proponho um remake de A Cidade das Mulheres, falo em sussurros seu nome, seu sobrenome, Patrick Lowie, o mantra repetido em cachos de fortuna, barca proustiana.
       

Fellini exulta.
       
Na ponta da praia, você aparece, o rosto escondido sob uma máscara veneziana, uma bandeira vermelha circulando acima da cabeça. O momento é viscontiano. Novo Garibaldi do século XXI, você volta do front, os bolsos cheios peiote sagrado. Nas mãos de Federico Fellini, você deposita um esotérico código maia. Em seu cabelo desgrenhado, eu passo a mão cantarolando "Histoire de Melody Nelson". De audácia em audácia, atrevo-me, sugerindo a Fellini uma continuação do seu Satyricon.
       

Ruídos de vidro rasgam a hora meridiana. Aprendizes de mafiosos, os ragazzi quebram com barras de ferro as janelas dos carros estacionados ao longo de uma estrada de terra.
       

Acenando sua mão em despedida, Fellini dá uma missão final a Patrick Lowie: rodar num exagerado claro-escuro um filme sobre Caravaggio, um retrato onírico da Itália do Renascimento até hoje.
       

Removendo tua máscara, eu a jogo no mar.
      

Em tua iris absinto, teu olhar ausente, vejo dançar Alice de Lewis Carroll, a viagem baby doll à Marrakech, eu me anamórfoso sob o sol turquesa, uma raspa de incesto na fenda dos lábios.
       

Espírito em fuga, explorador de atóis, Patrick Lowie atua para derrotar seu estado civil. "Em uma carta, meu nome é Bowie." Cantarolando "Bonito sim como Bowie", eu me adjaniso o tempo de um clipe marítimo antes de pegar com o pé das ondas o código maia que Fellini nos deixou.



Tradução : Dédé Ribeiro


Publicações e histórias

Este retrato foi publicado em francês no livro Next (F9), 111 retratos oníricos por Patrick Lowie, publicado pela P.A.T.


Bio

Patrick Lowie é um escritor, editor e diretor belga. Fundador da Mapuetos. Autor de cerca de vinte livros em francês, é conhecido no Brasil por ter publicado as edições Salinas de "A tentação do leite e do mel" e por ter montado a peça "O trampolim" no Teatro Bruno Kiefer, em Porto Alegre.

Detalhes de uso
Mapuetos é um projeto literário criado pelo escritor belga Patrick Lowie. Esse retrato é um retrato onírico, ou seja, é apenas um retrato inspirado por um sonho e pura imaginação. Consequentemente, a história que está sendo contada não é real. Erros de sintaxe ou ortografia... não hesite em entrar em contato com mapuetos@mapuetos.com

Share by: