José Alessandro (BR)

José Alessandro

O retrato onírico de José Alessandro

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Nothing in this book is true, I made it all up 1 . Isso é mais ou menos sobre o que eu podia escrever sobre os retratos quando nós publicarmos o livro. Eu tento não me esquecer de que nada é real nessas curtas histórias humanas. Estou sentado na beira de uma cama de madeira com um dossel, do hotel Castelo , em Canoas, uma pequena cidade próxima de Porto Alegre, no sul do Brasil. José Alessandro, um comediante em uma de minhas peças O Trampolim que marcou um encontro comigo nessa cidade, em sua cidade natal, insistente ao telefone: mas, acima de tudo, não me faça chorar . Na peça de teatro, ele interpretava um monólogo, o mistério de uma língua, ele interpretava um narrador da Idade Média, ele interpretava Jesus também. O papel de parede do quarto é composto de botões, botões de madeira, coloridos, de cerâmica ou poliéster. Evangélicos são vistos no peitoril da janela. Os tempos não vão bem. O telefone toca, como em um filme antigo, e eu saio do quarto. O livro "Leite Derramado" de Chico Buarque e um bloco de notas sob meus braços. Eu desço, ouço a madeira estalando sob meus pés. Na entrada desse castelo, um homem jovem embala a canção. Eu penso na frase lida e sublinhada a lápis Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto-e-branco 2 . O caminho se enlarguece com meus passos e eu não tropeço. Ainda não. Lá fora, chove como em Budapeste. Eu me sinto como um velho homem que parece estar mal, mas eu me convenço a ficar bem. Eu vou adiante e fico surpreso de ver um porto nessa cidade. No fim do cais, a noite cai. Eu vejo José Alessandro assistindo os velhos e enferrujados navios se precipitando um sobre os outros como dominó. Sabe, José, eu o digo, dominó me faz pensar num shamã fazendo uma adivinhação. Nossa sociedade passou do acaso puro para o caso que faz dinheiro de maneira aleatória e imprevisível. Mas se encontrar aqui não é uma coincidência. Sem se virar, ele me disse que a água era pura mas se tornara escura, lamacenta, algo forte e pertubador nos atacaria. Você vê , ele me disse, os corpos ali na praia, corpos concretos como cimento. A água estava clara antes, hoje em dia tudo está escuro, congelado, onde encontrar força para mexer tudo isso... Eu choro todos os dias quando me levanto. Eu o explico que não é possível fingir a felicidade, que ela deve ser serena, com pensamentos tranquilos e intensa. Eu ando um pouco, os barcos se misturam... José, por que me fez vir aqui? Nós somos inocentes? Somos os assassinos desse mundo? Lembre-se do monólogo....... Ofensas. Energia negativa. A violência. As torturas. Tudo o que fazemos para os outros se voltarem a nós, face a face » 3 O vento se afasta. Ele me acompanha até o castelo. Até a ponte. Uma virgem maria ilumina o caminho. Ele disse que tinha apenas uma frase para me dizer, e ele só podia dizê-la em sua cidade natal : «O Trampolim » deve tomar forma, temos que reencená-lo, volte para cá! Eu prometo, volto ao castelo, o jovem ainda canta, os dedos sobre o piano, sozinho, sem impedimentos, sem espectadores, por que ele canta? Ele mergulha em suas notas para esquecer a sombra de seus desejos. Enquanto subimos as escadas, a sombra de uma criança cai até lá em baixo. Eu reencontro minha cama com dossel e acordo, a casca de nossas vidas se dissolve no tecido impregnada como em uma esponja. O telefone toca. Eu saio daqui, saio desse sonho.

[1] "Tudo o que você está prestes a ver e a ler é uma fantasia, um sonho, faz-de-conta"

SEX, Madonna, Warner Books, Maverick Books, Callaway Books

[2] Leite Derramado, Chico Buarque. 

[3] O Trampolim, Patrick Lowie


Tradução : Marcelo Favaretto


Publicações e histórias

Este retrato foi publicado em francês no livro Next (F9), 111 retratos oníricos por Patrick Lowie, publicado pela P.A.T.


Bio

em breve

Detalhes de uso
Mapuetos é um projeto literário criado pelo escritor belga Patrick Lowie. Esse retrato é um retrato onírico, ou seja, é apenas um retrato inspirado por um sonho e pura imaginação. Consequentemente, a história que está sendo contada não é real. Erros de sintaxe ou ortografia... não hesite em entrar em contato com mapuetos@mapuetos.com

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